14.4.14

14.4.14

Cuidado: Frágil


Leia escutando:



Era só mais uma garota do coração partido. Remendado. Desacreditado. Coração desacelerado. Que dançava em uma batida esquecida, uma balada mansa, daquelas que tocam no fim da festa.

Ela era uma das muitas garotas que cresceram em meio a contos de fadas, pó mágico, e unicórnios imaginários. Acreditou até onde pode, abraçou seus ideiais, e virou as costas para quem insistisse em dizer que coisas como mágica não existiam. Como pode não existir mágica? Ela existe. Está em todas as coisas. Em todos os seres. Em todas os corações… a maioria só não sabe disso. Mas ela sabia, ah, sabia. Sabia que sua vida seria recheada de momentos únicos, inesquecíveis, e de sorrisos verdadeiros. Seria feliz como as personagens de seus livros empoeirados. Seus pais tentaram fazer com que ela não descobrisse tão cedo, tadinha, tão pequenina. Deixe que ela acredite mais um pouco. Já podemos contar? Ainda não. Ela não está preparada. E agora? Contamos? Não sei. Ela pode não acreditar. É melhor deixar que a vida ensine…

E ensinou. A vida chegou de mansinho, pisando em ovos, armou uma emboscada em um beco do destino, e jogou ácido na cara da pobre garota. Ela sentiu aquilo arder, queimar, desfigurar o que antes era tão belo. Sentiu como se estivesse se derretendo aos poucos, e em meio às lágrimas, não entendia o que tinha feito para merecer aquilo. Mas não fiz nada, insistia. E quanto mais tentava se convencer de que não merecia o que estava acontecendo, mais dóia. Mais feridas apareciam. A vida bateu uma, duas, três, duzentas vezes. Bateu até não restar um pedaço de pele que não estivesse machucado. Com cicatrizes. Pedindo por um carinho. A garota que crescera em meio à sonhos, e esperança, hoje desconfiava de qualquer um que lhe estendesse a mão. Vai que, né…

O que antes era uma rocha, dura, resistente, convicta, e confiante, se tornou uma pequena caixa de papelão com os dizeres estampados "Frágil''. Essa era a nossa garota.

Sempre que começava a se aproximar de alguém, o corpo estremecia por completo. As feridas dóiam mais uma vez, e o cerébro insistia em repassar em câmera lenta seu coração se partindo. E repartindo. E tentando se costurar. E se machucando mais uma vez. Se partiu tantas vezes que as partículas já eram invisíveis, não tinha mais como emendá-lo. E ela optou pelo caminho mais simples, aquele caminho que deveria ter tomado desde o início da história.

Não acreditar nas pessoas.

Decidiu que não ia deixar que mais ninguém se aproximasse. Eles não entendiam o que significavam suas feridas. Não entendiam o quão frágil ela era. Não entendiam que ela só precisava de um pouco de segurança, um abraço forte, e um ''Vai ficar tudo bem'' dito no pé do ouvido. Não, não entendiam. Talvez entendessem do carro da moda, da balada que iria bombar mais tarde, ou até do time que ganhara o campeonato na noite passada. Mas não entendiam nem um pouco o que se passava dentro dela, e na real, não faziam questão disso.

E por um tempo ela viveu. Quero dizer, não foi feliz, isso não, pessoas que não acreditam não são felizes. Mas não se decepcionam. Não apanham da vida. E para quem passou tempo demais sentindo a dor arder no couro da pele, isso era relaxante. Era como boiar no mar olhando para o céu azul. Calmo. Estável. Sem onda nenhuma… Sem emoção nenhuma. Talvez fosse melhor assim, talvez esse tal de amor não existisse mesmo, e tudo aquilo que ela acreditava não passava de uma baboseira sem fim.

Até que em uma quarta-feira nublada ela avistou, do outro lado da rua. Achou que devia estar delirando, talvez fosse efeito do remédio que tomara para as dores mais cedo, mas podia jurar que era real. Olhou de novo, desviou. Não, não podia ser. Sentiu que era observada. Ficou tão nervosa que deixou cair todas as sacolas de compras no chão. Enquanto ela se abaixava para limpar rapidamente a sua bagunça, sentiu uma voz por trás dela ''Ei, você precisa de ajuda?''. Se virou, e encarou. O garoto sorriu com vontade, sem entender o porque do seu espanto. E ela se convenceu de que era mesmo real. Ali, na sua frente, alguém que tinha as mesmas feridas que as suas, e os dizeres estampados na caixa que diziam… Frágil.

Sorriu de volta, e teve certeza de que poderia voltar novamente a acreditar.

O barato da vida é que por mais que deixemos de acreditar em mágica, um dia ela acontece. Por mais que você não queira, e fuja, e dê as costas, um dia vai aparecer alguém que vai olhar para suas feridas com carinho, e dizer ''Deixa que eu cuido''. Alguém que como você, já deixou de acreditar, já apanhou muito da vida, e já se cansou de se decepcionar. Mas que vai olhar no fundo dos seus olhos e ter a certeza de que vocês podem deixar de ser caixinhas frágeis, e passarem a ser um coração forte que está pronto para amar. E aí a mágica acontece…

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